Drogadição: História, Políticas Públicas, Família e outros paradigmas
INTRODUÇÃO
Portanto, neste trabalho trataremos,
a partir de três textos bases: O lugar do Estado na questão das drogas: o
paradigma proibicionista e as alternativas (2012), Políticas Públicas sobre
álcool e outras drogas: breve resgate histórico (2013) e Repercussões do uso do
crack no cotidiano familiar (2012) abordaremos como a problemática se configura
atualmente, através de outras referências, documentos oficiais.
O Lugar do Estado na Questão das Drogas: O Paradigma Proibicionista e as Alternativas
Nesse sentido, a
Convenção de 1961 tratou de definir uma divisão das drogas e das suas plantas
originárias em listas, utilizando-se do potencial de abuso e suas aplicações
médicas como critério. A primeira lista é composta das drogas com alto
potencial de abuso e nenhum uso medicinal, como por exemplo: a heroína, a
cocaína e a maconha; a segunda lista é composta das drogas com alto potencial
de abuso, mas com alguma utilidade medicinal, como as morfinas e anfetaminas e
a terceira lista é composta pelos precursores que são as substâncias e alguns
materiais empregados na produção das drogas proibidas.
Atualmente, a discussão acerca da
drogadição vem ganhando destaque à medida que a produção, o tráfico e o uso
ganha relevância econômica e política em nossa sociedade. No entanto, os
primeiros estudos que possuíam a finalidade de se aprofundar nessa temática,
tratavam o álcool e as outras drogas como um fenômeno isolado e não os
relacionavam com os diversos aspectos que compõem a sociedade, como as relações
familiares, as políticas de enfrentamento, a sua relação com a saúde, as
oportunidades dos indivíduos, etc.
Discutir acerca da drogadição é
discutir também a maneira como ela foi tratada historicamente, é discutir as
políticas que existem para o enfrentamento dessa problemática e, ainda, saber
que ela atua sobre indivíduos que se relacionam continuamente, modificando a
realidade posta e suas próprias histórias.
A importância do debate acerca da
drogadição é de total relevância nos dias de hoje, visto que há um aumento
gradativo no uso de substâncias psicoativas em qualquer faixa etária e esse
consumo tem iniciado, cada vez mais cedo, como comprova um estudo feito pelo
Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (2004).
Além disso, segundo a ONU (2013), o
aumento do número de novas drogas psicoativas cresceu quase 50%, e mesmo que o
consumo global de narcóticos tradicionais permaneça estável, esses dados
preocupam o poder público e, mais ainda, os indivíduos que convivem diretamente
com essa realidade, pois tais substâncias alcançam níveis nunca, antes,
esperados.
Outro fato que merece destaque é o
de venda das chamadas drogas lícitas, como o cigarro e o álcool. Devido sua
produção e venda ser legalizada, o acesso a elas são ainda mais facilitados,
podendo ser compradas em qualquer espaço de comercialização. Como resultado
disso, a ONU, através de matéria publicada na Revista Istoé (2012), divulgou
que “por ano, as drogas proibidas em convenções da Organização das Nações
Unidas (ONU) matam 250 mil pessoas. Pouco se comparado com o álcool e o tabaco.
O uso abusivo do álcool resulta, anualmente, em 2,25 milhões de óbitos. Quanto
ao tabaco, mata 5,1 milhões anualmente”.
Tais pesquisas demonstram claramente
a relevância do estudo desse tema e dá fundamentos científicos de que o Estado
e a Sociedade Civil devem, sim, estão preocupados e mobilizados a enfrentar
esse crescente fenômeno social.
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O Lugar do Estado na Questão das Drogas: O Paradigma Proibicionista e as Alternativas
A guerra contra as
drogas é uma discussão que embora pareça da atualidade completou no ano de 2012
um século. A primeira Conferência Internacional do Ópio ocorrida em 1912 tratou
de discutir a questão do proibicionismo das drogas, porém as duas grandes guerras
mundiais desviaram esse foco, sendo retornado em 1961 através da Convenção
Única sobre Entorpecentes onde foi implantado globalmente o paradigma
proibicionista no seu formato atual. Os países que fizeram parte dessa
Convenção trataram de praticar o proibicionismo através da punição para quem as
produzisse, vendesse ou consumisse. Desta forma, podemos compreender que a
questão da proibição das drogas é fruto de uma ampla discussão, em diferentes
contextos e relacionados aos mais diferenciados interesses, tanto que não
podemos compreendê-las por uma única motivação histórica, está focalizada na
punição e na marginalização das drogas. Ela foi realizada através de um
conjunto de fatores como a influência norte-americana, o interesse da indústria
médico-farmacêutica em monopolizar a produção de drogas, os conflitos
geopolíticos do século XX fruto das grandes guerras e a desordem urbana.
No Brasil, a questão do
proibicionismo sofreu grandes influências dos Estados Unidos, na medida em que
as legislações de proibição foram criadas de acordo com as leis
norte-americanas, porém, a maconha foi considerada ilegal em 1932 cinco anos
antes disso acontecer nos EUA. Podemos afirmar então que a prática
proibicionista elegeu três conjuntos de substâncias/plantas como um alvo
padrão, são elas: papoula/ópio/heroína, coca/cocaína e cannabis/maconha.
O termo “drogas” na
atualidade refere-se tanto ao seu sentido mais amplo, que é o sentido
farmacológico cuja definição diz respeito às substâncias que quando
administrada por um ser vivo modifica uma ou mais de suas funções (aqui falamos
dos medicamentos em geral e das pessoas que necessitam de alguma medicação para
a manutenção da vida, como os portadores de doenças crônicas), como também ao
seu sentido mais restrito no que diz respeito às drogas psicoativas ou
psicotrópicas que possui como característica principal a ação sobre o
funcionamento do cérebro.
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Diante dessas
diferenciações e divisões, o paradigma proibicionista está embasado em duas
premissas. A primeira é relativa aos danos causados pelo consumo de drogas e
por isso o Estado tem o dever de proibi-la e a segunda premissa diz respeito à
atuação do Estado no combate às drogas focando na criminalização da sua
circulação e do seu consumo.
Os danos em consequência do consumo de drogas, tanto
no seu sentido farmacológico como no seu sentido mais restrito (substâncias
psicoativas) podem ocorrer em curto ou médio prazo, como o seu consumo também
pode levar à morte seja por deterioração da saúde geral ou por overdose uma vez
que não existe padrão, quantidade ou nível seguro para o consumo, e além da
dependência, elas potencializam outros transtornos mentais graves, como
depressão, psicose e a esquizofrenia. Como uma consequência grave, estão os
problemas sociais relacionados ao comportamento descontrolado e a fragilidade
dos laços afetivos e familiares, uma vez que, a dependência dessas substâncias
levam a ações violentas e inconsequentes em busca da manutenção do vício para a
compra de novas doses.
Assim, de acordo com todos os prejuízos e riscos
para o indivíduo e para a sociedade cabe ao Estado a sua proibição, para tal,
ele utiliza-se da perseguição e da punição para quem as produz, vende ou
consome. Mas é nesse momento que aparecem as críticas ao proibicionismo, já que
esses danos individuais e coletivos não justificam a sua proibição. Segundo
Maurício Fiore, existem diversas substâncias de uso do ser humano que também
são agressivas e danosas, porém não são proibidas. Existe uma crítica a
proibição das substâncias psicoativas como a maconha, cocaína e heroína, uma
vez que os outros tipos de drogas (medicação de uso mais geral, como os
remédios que não necessitam de receitas) são tão agressivas quanto. Neste caso,
o estado limita-se a regular a sua produção e a comercialização
responsabilizando o indivíduo pelo seu uso.
Existe ainda as drogas psicoativas com aplicação
médica e exigência de receituário médico como os anti-depressivos que também
não são proibidas, apenas apresentam o seu consumo e produção fiscalizados. Sem
falar nas drogas como as bebidas alcoólicas, as bebidas estimulantes e o tabaco
que não possuem impedimento algum do seu comércio. Desta forma, a crítica é a
seletividade da proibição impedindo assim a livre escolha dos indivíduos, ou
seja, se a preocupação fosse com o bem estar da sociedade como um todo e dos
indivíduos o Estado deveria ampliar a proibição para um campo mais geral das
drogas, incluindo também outras práticas perigosas e danosas ao ser vivo.
Outra crítica ao proibicionismo é a
afirmação de que ao proibir a produção, o comércio e o consumo das drogas o
Estado potencializa um mercado clandestino e favorece a criação de novos
problemas. Entre eles podemos citar: o tráfico de drogas; o envolvimento com o
crime; a violência e a corrupção de agentes estatais. A produção e o comércio
de drogas ilícitas são, junto com o tráfico de armas, o maior mercado criminoso
do mundo. Desta forma devemos avaliar e refletir se o paradigma proibicionista
relacionado a marginalização do consumo das drogas é a maneira mais eficaz no
combate e enfrentamento desse problema social, de que forma essa visão
interfere na maneira como as “drogas” são visualizadas na sociedade ou se a
política de redução de danos não seria
uma ferramenta importante neste processo, uma vez que é um problema que
apresenta diversos fatores e está inserido nos mais variados contextos.
Em
o “O fortalecimento das críticas e a modernização do paradigma: Guerra contra o
tráfico, tratamento para o viciado”, Fiore (2012) traz uma segunda crítica ao
paradigma proibicionista do Estado. Para o autor existem abordagens, no
enfrentamento às drogas, que conseguiram se distanciar das premissas
proibicionistas e alcançar resultados positivos, como as [1]políticas
de redução de danos.
A
partir dessa abordagem, o Estado passou a encarcerar os usuários de drogas para
serem tratados mesmo sendo contra a vontade dos próprios. Assim,
caracterizou-se uma “modernização” da premissa proibicionista resultando em
modificações nas legislações acerca desta problemática.
Segundo
Fiore, a Lei de Drogas (nº 11.343) recebeu influência dessas modificações, pois
com ela manteve-se a criminalização do consumidor, sendo que para aqueles que
fazem uso da droga para consumo próprio são punidos com advertência verbal ou
prestação de serviços públicos, já para quem porta drogas, as quais possuem
como destino o tráfico, recebem pena mínima de prisão de três a cinco anos,
comparável a crimes de estupros.
Para
o cientista social, com a Lei de Drogas não houve um parâmetro para se
distinguir se a droga destina-se ao tráfico ou para o consumo, visto que as
interpretações sobre o objetivo dos entorpecentes continuam destinadas à
autoridade policial, com avaliação o Ministério Público.
O
juiz ao avaliar se o consumo da droga é para uso pessoal, ele verifica qual a
natureza e a quantidade da droga apreendida, qual o local e as condições em que
se desenvolveu a ação, quais as circunstâncias sociais e pessoais.
Ainda
sobre a Lei, pesquisas recentes revelaram que ela enquadra jovens, pobres,
primários com número reduzido de drogas e quando são enquadrados como
traficantes muitos deles são encarcerados e condenados.
Como
exemplo de uma derrota do modelo proibicionista, Fiori relata a experiência que
os EUA na década de 1920. Para eliminar o consumo de álcool no país, o governo
instituiu a “Lei Seca”, porém só vigorou durante treze anos devido ao seu
fracasso, aumentando os casos de crimes violentos, consolidação do crime
organizado e envenenamentos na população por estarem produzindo
clandestinamente.
O
texto aponta os pressupostos para adoção de modelos alternativos. Faz-se
necessário que se rediscuta o papel estatal para que esteja dentro dos limites
da democracia. Para isso, deve-se lutar para a construção de legislações e
políticas públicas que procurem estabelecer normas justas para um melhor
atendimento dos usuários/ dependentes de drogas.
A
primeira sugestão do autor é “Valorizar o autocuidado e os controles
sociais”. Como medida preventiva, esta
sugestão tem como objetivo o fortalecimento dos laços sociais, para um maior
apoio ao dependente, como o cuidado com a saúde do mesmo. São importantes
medidas de controle e desestímulo, como aumento de preços, restrições de pontos
de venda, limitação de quantidade ofertada, controle de dosagem, entre outras.
A
segunda é a “Descriminalização (de fato) do consumo e estipulação com critérios
objetivos”. No texto, Fiore relata o modelo adotado por Portugal, sendo este
apontado como experiência modelo. O indivíduo flagrado com drogas passa a ser
ouvido por uma junta civil, tendo como integrantes psicólogos, médicos,
assistentes sociais, estes atuam de forma compartilhada e sob perspectiva de
cuidado à saúde do usuário, eles decidem, a partir de então, se o caso precisa
de tratamento ou de sanções mais rigorosas, como multa.
Além
disso, as leis portuguesas estabelecem qual a quantidade representa a posse
para o uso/ consumo. Com isso, o país está tendo resultados satisfatórios como
a queda do número de consumidores problemáticos, bem como, a redução do número
de crianças envolvidas na drogadição.
Por
último, o pressuposto apontado pelo autor é o “Planejamento de ações de acordo
com as especificidades de cada droga”. De acordo com ele, é utilizado sob a
ótica do proibicionismo um critério: legalidade x ilegalidade, uniformizando as
substâncias que possuem características diferentes. Porém é necessário que as
políticas tomem como base os efeitos, os riscos potenciais e os padrões de
consumo de casa substância psicoativa, por exemplo, a maconha faz parte da
lista de plantas banidas, isso tem dificultado investigações sobre sua função
medicinal.
No
caso da cocaína, o desafio seria equilibrar uma política que garantisse mais
controle sem a sua criminalização, desta forma, o mercado clandestino seria
desestimulado. Contudo, com o tabaco o Brasil tem atuado, sem adotar as
premissas proibicionistas, de forma satisfatória, isto é, o país está
intervindo de quatro formas: disseminação das informações e alertas sobre seus
danos potenciais, veto quase total de sua publicidade, aprimoramento do
atendimento aos dependentes e restrições de locais de uso, para proteger outros
indivíduos.
Políticas
Públicas sobre álcool e outras drogas: breve resgate histórico
A definição de políticas públicas
são ações que visam o bem coletivo, a fim de garantir os direitos sociais.
Configura-se como compromisso público, garantido pelo Estado, nas três esferas
de governo, para solucionar demandas de diversas áreas da sociedade, como
saúde, educação, segurança e, como alvo desta pesquisa, drogadição.
As políticas públicas são tidas como
estratégias de governo e são responsáveis por normalizar a condita dos
indivíduos, bem como modelar a sociedade ta tentativa de solucionar as
problemáticas sociais identificadas. Para que elas sejam elaboradas, alguns
passos são necessários (1) a identificação de problemas sociais, (2) a busca de
alternativas para solucioná-lo e (3) a escolha dos instrumentos necessários
para a sua execução. Em todo esse percurso, há a ordem de preferência, ou seja,
a prioridade de cada problema.
No caso das políticas referentes à
drogadição, elas ganharam mais evidência durante o século XX, pois foi nesse
período que a circulação das substancias psicoativas ganham destaque e que os
seus efeitos começaram a ser mais conhecidos. Foi nesse contexto que nos anos
de 1960, com a chamada Era do Sexo, Drogas e Rock’n roll, que as drogas se
tornara cada vez mais populares e não se restringira apenas aos adeptos nessa
ideologia. Ela foi somada ao período de urbanização e, também, de pauperização
social que acaba por envolver outras variantes para esse consumo.
No que se refere à evolução das
políticas públicas voltadas a questão da drogadição, inicialmente tem-se um
tratamento voltado para dois aspectos gerais: a criminalização e a
medicalização, em que ou o usuário de drogas é reconhecido como
responsabilidade do poder judiciário ou é alvo de internações compulsórias,
através do método chamado de psiquiatrização do abuso. Esse posicionamento
brasileiro é reflexo de medidas internacionais, especificamente dos Estados
Unidos e seu modelo proibicionista.
No ano de 1924, foram aprovados o
Decreto 4.294 e 14.969. O primeiro propôs a prisão aos vendedores de ópio e
cocaína e o segundo a criação de toxicômanos, que eram espaços onde os usuários
se isolavam para se “curarem” do vícios afastados da sociedade.
No que diz respeito ao consumo de
álcool, o Estado não se preocupava com esse crescimento, pois, nesse período, a
ingestão de bebidas alcoólicas era aceitável e não se via a necessidade de
intervir politicamente. No entanto, esse número crescia e psiquiatras e membros
da elite, com uma perspectiva moralista e higienista, criaram as Ligas
Educativas Antialcoólicas.
Em 1953, criou-se o Ministério da
Saúde. Teoricamente, poderia ser uma esperança para a reformulação de políticas
com outras visões acerca da drogadição, mas essa instituição se concentrou em tratar
das epidemias que assolavam o país na época e de uma vigilância sanitária,
deixando as drogas às margens das políticas.
Isso pode ser explicado pelo fato de
as drogas, nessa época, não possuírem a mesma importância política e econômica
como possuem agora. Pelo contrário, a drogadição era rodeada de mistério e
tabus, o que afastava a preocupação do Estado com tais questões.
Nos anos de 1961, 1971, 1988,
Convenções Internacionais foram realizadas com o objetivo de fortalecer a visão
repressora ao uso e tráfico de drogas. Em sintonia com esses eventos, o Brasil,
em 1971, aprovou a Lei 5726 que compartilhava do mesmo objetivo e não fazia
nenhuma menção ao tratamento do dependente químico, a não ser aquele
considerado infrator. Ele era, mais uma vez, alvo de internação compulsória,
que visava à reabilitação do infrator viciado. Em 1976, essa lei foi
substituída pela Lei 6368 que apresenta avanços, pois diferencia o infrator do
dependente. Para este último, ficou estabelecido que ele precisava de atenção especial,
pois era denominado como doente.
O Conselho Federal de Entorpecentes
foi criado em 1980 e mesmo com a ratificação da repressão, desenvolveu práticas
de atenção ao usuário, deu apoio aos centros de referência no tratamento aos
dependentes, bem como incentivou às pesquisas que aprofundassem o estudo dessa
temática. Em 1998, foi substituído pelo Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) e,
em 2002, ele foi responsável pela formulação da Política Nacional Antidrogas e
pela Lei 10409 que instituía que o tratamento dos dependentes deveria ser
realizado por uma equipe multiprofissional.
Em 2005, o CONAD intitula o problema
da drogadição como problema de saúde pública e amplia a rede de tratamento com
a recuperação e a reinserção social do usuário. Posteriormente, em 2006, a Lei
11343 baseia seu discurso de repressão á produção e ao tráfico, mas traz novas
percepções no que diz respeito aos usuários com a prevenção do uso, a atenção
dada a sua saúde e a criação de penas alternativas aos dependentes químicos.
Dentro das políticas públicas de
saúde, a drogadição ganha importância a partir da Constituição de 1988, que
criou o Sistema Único de Saúde, bem como com a criação da Lei Orgânica da Saúde
que garantiu que o usuário de drogas também é um ser com direito à saúde e que
deve ser atendido dentro da sua particularidade, ou seja, sua dependência.
Em 2001, com a Reforma Psiquiátrica,
o usuário de drogas foi incorporado aos serviços de atendimento referentes à
saúde mental. Isso, a priori, foi um grande avanço, pois o imaginário de que o
dependente é sempre um infrator começa a ser desconstruída. No entanto, é
preciso ter um cuidado de não restringir o usuário aquele que possui problemas
mentais, pois não é. Claro que, pelo excessivo uso de substancias psicoativas, ele
pode vir a desenvolver tais doenças, mas não é possível generalizar.
Baseado nos princípios presentes na
Reforma Sanitária e na Reforma Psiquiátrica, o Ministério da Saúde, criou, em
2003, a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de
Álcool e Outras Drogas. Tal política garantiu a humanização das ações voltadas
aos usuários de drogas. Dentre os principais aspectos dessa humanização está a
criação dos Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) e os Centro de Apoio
Psicossocial álcool e outras drogas (CAPSad).
Essas unidades são a expressão
prática da Reforma Psiquiátrica, pois trata-se de uma modalidade de atenção à
saúde centrada na comunidade, caracterizada por atendimento ambulatorial
realizado por uma equipe multiprofissional e especializada, articulando ações
de redução de danos, prevenção, recuperação, tratamento e reinserção social dos
usuários de drogas de abuso (SANTOS e OLIVEIRA, 2013).
Atualmente, os Estados modernos têm
dado atenção especial aos novos tipos de drogas que vêm surgindo, como o crack
e o oxi. Em 2010, lançou-se o Plano
Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, voltados especificamente
para o combate ao tráfico e uso abusivo dessas novas drogas. Esse Plano visa
interligar o Estado e a Sociedade Civil na tentativa combater o tráfico e
tratar aquele que estão inseridos diretamente no universo das drogas.
No que tange aos desafios das
políticas públicas voltadas à drogadição, pode-se destacar a velocidade com que
essas novas drogas estão surgindo, sendo, o Estado, incapaz de controlar a
produção, pois a cada época, as substâncias estão cada vez mais potentes e com
um enorme poder de circulação. Somado a essa rapidez, tem-se o desafio
referente a lentidão na elaboração, publicação e assimilação das políticas
públicas, que por sua vez, não acompanha o mesmo ritmo da criação dessas novas
drogas.
Por fim, é necessário desconstruir o
imaginário social de que a droga e seus usuários são como “casos de polícia”,
pois sua compreensão é baseada em diversos aspectos sociais, analisados em
totalidade, como a desigualdade social, a oportunidade dos indivíduos, a
dependência emocional, as relações familiares, etc.
Drogas e família
Quando
falamos de família no contexto da drogadição, temos que abordá-la com
entendimento mais amplo daquilo que antigamente se definia como unidade
familiar ou como uma instituição familiar. Atualmente, se convenciona que a
família é composta por uma diversidade de configurações entre seus membros.
Esse entendimento foi importante, pois, assim podemos entender como o usuário
de drogas e seus familiares foram incluídos na rede social do mesmo e atuar de
forma mais significativa, pois assim, passamos da dimensão de consanguinidade e
parentesco e temos a dimensão das relações de afetividade.
Hoje,
o contexto familiar que temos, é composto por inúmeras formas de composições de
famílias, descaracterizando aquilo que se tinha como núcleo familiar: pai, mãe
e filhos. Podemos ter famílias que passam por diversas uniões, cada relação
podendo ter um ou mais filhos, indo pra além do modelo tradicional e nuclear.
Sendo assim, é dentro dessa diversidade de
composições, que a família brasileira precisa ser compreendida, para que o
profissional possa atuar de forma mais qualitativa. Podemos entender também,
sob esse viés como a família pode se configurar em sua dinâmica, como um
cenário de proteção ou de risco, no contexto do uso abusivo de drogas.
É
preciso, antes de tudo, que as políticas funcionem de modo intersetorial, para
que haja a possibilidade de se reduzir as manifestações diretas do uso/abuso
das drogas ilícitas, mas esse ainda é grande desafio para os setores públicos,
pois todas as políticas sociais de modo geral, sofre de um grave desfalque,
seja de qualidade e de condições de desenvolver o trabalho profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
questão da drogadição se faz milenar, desde os primórdios da humanidade houve o
uso de drogas, e ainda é uma questão muito complexa, indo muito além das
problemáticas apresentadas, questões que vão desde a conceituação do que é
droga até quem é traficante.
Além
de complexas, são extremamente delicadas. Por exemplo, o que seria um
traficante? Quem é apreendido com drogas ilícitas atualmente no Brasil é por
muitas vezes considerado traficante devido a uma quantidade de drogas
encontrada com o usuário, no entanto sabe-se que a “boca de fumo” é um local
arriscado é uma pessoa que vai ao local geralmente compra também para seus
amigos usuários. Apenas dentro dessa situação encontramos uma grande
complexidade: A discussão sobre a descriminalização e legalização das Drogas, a
problemática da definição da tipificação do usuário, o tráfico e seus impactos
sociais. Ou seja, essa é uma problemática para além de um caráter simplesmente
de segurança pública, perpassando espaços e mostrando fragilidades como por
exemplo nas políticas de saúde que não são suficientes e nem preparadas para
atender esse público em questão; na política econômica também, pois anualmente
o comercio ilegal de drogas lucra bilhões com o dinheiro do tráfico.
Além
de tal complexidade, é importante ressaltar que não só o pobre faz uso das
drogas, nem o mesmo utiliza com uma proporção maior, visto que os dados
apresentados pelo Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – OBID
através do II Levantamento domiciliar sobre uso de drogas psicotrópicas
apresenta um uso de todas as classes sociais, sexo e idade. No entanto,
principalmente, o jovem pobre não possui equipamentos sociais para atender a
demanda necessária do uso indevido de drogas, tendo uma pífia prevenção: ruas
com pouca iluminação, poucas praças, espaços esportivos e culturais, além de
pouco enfoque para políticas para criança e adolescente.
Aborda-se
também a questão da família e seu papel como fator de proteção ou riscos, visto
que temos uma complexidade no que se definiria como padrão, pois essa rede
social é composta das mais diversificadas formas. Quando um ente familiar faz
uso abusivo de drogas há repercussões não só no âmbito privado. Isso porque,
como mencionado anteriormente, há outros fatores para além da família, há
fatores sociais, psicológicos e de saúde, sendo preciso que o profissional atue
em rede, para garantir um melhor atendimento e acompanhamento.
Pudemos
constar que o proibicionismo foi um fator recorrente e que permearam as
políticas, legislações e ações que dizem respeito às drogas consideradas
ilícitas. No entanto tal forma de tratar sobre as problemáticas que se fazem
presentes a despeito da droga não se fez de maneira eficaz. Haveria a
necessidade de um olhar menos repressivo e mais propositivo, com políticas e
ações que possam possibilitar escolhas e mudanças nas perspectivas de vida
desses usuários
A
cultura brasileira historicamente no que cerne à questão das políticas de
(anti-) drogas, sempre foi repressiva, tanto que temos ações tais como, o
proibicionismo e que levaram a manifestações bastante graves na sociedade:
fortalecimento do tráfico e do narcotráfico e a questão da ilegalidade e
criminalização dos usuários. Isso pode ser percebido ainda nos dias de hoje,
quando temos ações como a internação compulsória pelos governos do Estado do
Rio de Janeiro e São Paulo, medida que só deveria ser utilizada como último
recurso.
O
Brasil não possui uma política efetiva à essa demanda, tomando o exemplo da
cidade de Fortaleza, não existem ações voltadas para o enfrentamento dessa
questão, no que concerne à prevenção e tratamento. É uma falta grave e que
precisa ser rapidamente corrigida, uma vez que a situação se agrava a cada dia
mais.
É
importante frisar que, temos um setor da sociedade que é sempre marginalizado e
sofre cada vez mais com a repressão e política proibicionista do Estado: o
jovem, que é negro e pobre e que convive com a negação de direitos em toda a
sua história de vida.
Atuar
de forma intersetorializada é um grande desafio para as políticas públicas
voltadas para esse segmento, uma vez que, temos um grande desfalque em questão
de qualidade e oferta de serviços e acompanhamento de pessoas que fazem uso
abusivo de drogas.
[1]Segundo a International
Harm Reduction Association (2010), "redução de danos se refere a
políticas, programas e práticas que visam primeiramente reduzir as
consequências adversas para a saúde, sociais e econômicas do uso de drogas
lícitas e ilícitas, sem necessariamente reduzir o seu consumo. Redução de danos
beneficia pessoas que usam drogas, suas famílias e a comunidade".
Disponível em <http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas/redu%C3%A7%C3%A3o.htm> Acesso em 29 jul 2013.
Fontes:
CEBRID
- Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas. Questões sobre Drogas. Disponível em: <www.cebrid.epm.br>.
Acesso em 30 jun 2013.
FIORE, Maurício. O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista
e as alternativas. Novos
estudos, n.92, p. 9-21, mar.
2012.
G.1. 75% dos jovens infratores no Brasil são
usuários de drogas, aponta CNJ. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/75-dos-jovens-infratores-no-brasil-sao-usuarios-de-drogas-aponta-cnj.html>.
Acessado em: 30 jun 2013
OBID
- Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – II Levantamento domiciliar sobre uso de drogas psicotrópicas. Disponível
em: <www.obid.senad.gov.br>. Acesso em 30 jun 2013.
SANTOS,
J. A. T., OLIVEIRA M. L. F. Políticas
Públicas sobre álcool e outras drogas: breve resgate histórico. Saúde &
Transformação Social, ISSN 2178-7085, Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 82-89,
2013.
SENAD
- Glossário Álcool e Drogas. 2004
SIQUEIRA,
Daiana Foggiato de, et. al. Repercussões
do uso de crack no cotidiano familiar. Cogitare Enfermagem, Porto Alegre,
ano 2, n. 17, p. 248-254, Abr/Jun. 2012.
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